Casal Conectado, Filhos Conectados
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(Esse texto traz uma história que ilustra como a criação dos filhos pode exacerbar conflitos em um casal e o que estamos fazendo para manter nossa conexão. Escrevo também sobre a questão de existir um ritmo (e não necessariamente uma rotina) na casa)
Comecei a escrever esse texto em 2012 quando ainda morávamos em Campinas (Parte 1) e terminei agora, no final de agosto de 2013 (Parte 2).
Parte 1:
Pela terceira vez em duas semanas a Regiane levou as crianças para passear depois das 11:00 da manhã na Praça do Côco, onde eles adoram brincar. Como saíram tarde, só voltaram perto da uma da tarde. O Leo, que tem um ano e oito meses estava completamente cansado e portanto irritado e sensível. Ele só se serviu de carne. Ao vê-lo colocando todos os pedaços de carne na boca ao mesmo tempo, eu disse: “agente não coloca todos os pedaços na boca.” Eu já havia falado isso pra ele várias vezes, mas dessa vez ele ficou me olhando e começou a chorar. Regiane, que não estava à mesa nesse momento, perguntou o que aconteceu e eu respondi com rispidez: “aconteceu que ele está morrendo de sono.”. Por fim, ela deu de mamar para ele e ele dormiu sem almoçar.
Criar filhos demanda muito do casal. Cada um tem uma história de vida e criação e essa história, que geralmente é escolarizada, como diz Ana Thomaz, faz com que tragamos para a relação com nossos filhos, os medos, as ansiedades, enfim os padrões que desenvolvemos ao longo da nossa vida. E quando esses padrões, que são diferentes entre o casal vem à tona, a possibilidade de conflito é muito grande.
Em nosso curso de Educação Ativa com a Margarita Valencia, ela fala sobre a importância dos ritmos da casa. Ela entende que o ritmo é definido pelos ciclos de acordar e dormir e pelas refeições. Portanto é importante respeitar esses ritmos, não enquanto rotinas cronometradas, mas enquanto movimentos naturais ligados à nossa fisiologia. Eu, como sou um bom aluno, tendo a exagerar e escuto essa fala como sendo: todos os dias temos que comer ao meio dia. Eu suponho que a Regiane, que tende a ser mais relaxada com relação à horários, escuta isso como: “dependendo do dia o ritmo muda e se passar um pouco do horário não tem importância, e se eles dormirem sem almoçar tudo bem.” Essas interpretações são fruto de como nós fomos criados. Eu sempre tive um horário muito rígido para almoçar, pois o ônibus da escola sempre estava passando e minha mãe tinha que garantir que eu e meu irmão estivéssemos arrumados, de barriga cheia e prontos para embarcar. Comíamos rápido. Já na casa da Regiane, a história era outra. Ela morava em uma cidade pequena e portanto a escola ficava a menos de 5 minutos de sua casa. E tem mais, se ela não quisesse ir, não tinha problema algum e se ela quisesse comer em outro horário, tudo bem.
Quando pessoas, com histórias de vida diferentes, se deparam com a mesma situação e quando essa situação envolve os filhos, a tendência é que cada um vá para os extremos : eu vou para a rigidez e a Re para a permissividade. Ao invés do casal manter a presença e tentar criar estratégias para atender as necessidades de todos ou a necessidade do todo, cada um vai buscar explicações para seu comportamento ou para como se sentiu mal por causa do comportamento do outro.
Voltando ao caso do começo do texto. Quando Regiane chegou à 1 hora, eu já a recebi com um olhar e com um tom de voz que mostrava desaprovação: “Você sabe que horas são? É a terceira vez que você faz isso!”. Dá pra ver claramente que estou ressentido. Estou sentindo novamente, raiva por todas as vezes que ela não conseguiu respeitar o ritmo das crianças e da casa. Ela, por conseguinte, ouvindo a desaprovação, e sentindo esse ressentimento, também começa a sair do presente e ficar ressentida por todas as vezes que a critiquei. Com os dois pais fora do presente e em oposição um ao outro, criamos o oposto de um ambiente relaxado, começando pela desconexão entre nós, que gera desconexão com as crianças. E em um ambiente tenso e desconectado ninguém consegue viver, atuar e se desenvolver utilizando sua potência. Nesse ambiente, o que se sobressai é a vontade de poder sobre o outro. “Eu estou certo e você errada”. “Eu sou melhor”. “Eu entendo mais de Educação Ativa do que você”. Os egos vêm à tona. As crianças, que ainda não tem como conceitualizar o que está acontecendo, mas que conseguem sentir qualquer tensão em um ambiente, ficam tentando entender. Ao invés de estarem relaxados em um momento tão importante como a refeição, ficam tensos. Leo, ficou tão tenso com minha reação ao fato dele ter colocado tudo na boca, que começou a chorar magoado, coisa que ele nunca faz. Luna, ao invés de prestar atenção ao que estava comendo e como estava comendo, ficou fixada no choro do Leo e na tensão criada. Eu engoli minha comida sem nem sentir o que estava comendo e quando Regiane voltou de dar de mamar e fazer o Leo dormir, eu saí da mesa e fui descansar, enquanto ela terminava de almoçar sua comida fria, junto com a Luna.
Parte 2:
Ao reler o texto acima percebi que as coisas melhoraram aqui em casa. É bom ter a sensação de que não estamos fixados nas mesmas questões e que agora os problemas são outros. Dá uma certa alegria.
O que aconteceu de lá pra cá?
Em primeiro lugar estabeleci minha prática de meditação e percebo que estou menos reativo e mais pronto para notar e aceitar a situação que se apresenta, ao invés de sempre querer que a situação fosse diferente. Não estou dizendo que atingi o nirvana, mas agora, quando Regiane chega de algum lugar na hora do almoço e Leo já está dormindo, não me vem um sentimento de raiva e uma vontade de que ela fosse diferente. Aceito que é essa a situação e também não coloco sobre meus ombros a responsabilidade de “consertar”, como se algo estivesse danificado e como se eu tivesse o poder de restauração. Penso: “Ele está dormindo. Deve estar cansado. Provavelmente vai almoçar quando acordar.”
Em segundo lugar, eu e Regiane tivemos várias conversas nesse meio tempo. Algumas mais difíceis que as outras, porém todas com intenção clara de criar um ambiente relaxado e de conexão dentro de casa. As vezes utilizando a Comunicação Não-Violenta de forma inconsciente, cada um expressava suas necessidades para o outro.
Eu: “Re, eu preciso conviver com as crianças e se o horário do almoço varia muito, eu acabo perdendo a chance de estar com eles. Podemos começar a almoçar entre 12:00 e 12:30, e se por algum motivo isso não for possível, você pode me avisar para que eu tente me reprogramar?”
Regiane: “Marcelo, eu me sinto mal quando você lança esse olhar crítico no meio de uma situação delicada com as crianças. Eu preciso me sentir segura nessas horas. Você pode se conectar comigo e deixar para conversarmos sobre possíveis melhorias em outro momento?”
Esse tipo de fala ainda não é a regra na nossa casa, mas estamos tentando. É como um músculo que precisamos exercitar. Sabemos falar de forma não-violenta uns com os outros, mas infelizmente crescemos dentro de um ambiente de discursos violentos seja em casa, na escola, no trabalho. Nossa resposta automática é violenta (mesmo que não envolva agressão física ou gritos). É preciso sair do automatismo. Respirar.
Ou seja, ao invés de pensarmos: “o que está errado com nossos filhos?” ou “o que você está fazendo de errado?” ou “como eu posso criar uma rotina melhor?”, resolvemos dar um passo para trás e trabalhamos em nossa capacidade estar presente e de dialogar entre nós, entre o casal. Acredito que essa via, apesar de ser menos direta, tem efeitos mais potentes e vitais para todos que estão ao redor. Nossa sociedade privilegia o curto prazo e o controle. Mas a vida não está nem aí para o curto prazo e nem para o controle. A vida se faz nos encontros. Eu quero ter bons encontros com Regiane, Luna, Leo e com quem vem com coragem e abertura.
Muito bom! parabéns, isso nos ajuda muito como pais
Aqui estamos aprendendo também, nessa nova vida com um pequeno de 4 meses. E de uma vivência de minha irmã e meu cunhado com o filho deles (hoje com 5 anos, e na época com 2 anos), que o ensinou a pedir para eles falarem com ‘mais amor’ quando eles se excederem com ele (coisa difícil rs), criamos uma prática (pelo menos tentamos) de ‘falar e ouvir com amor’. Nem sempre conseguimos, mas sempre tentamos. Adorei o seu texto. Traz sabedoria muito próximo da realidade, do cotidiano. Parabéns!
Só suspiros.
Parabéns pelo texto. É bom “ouvir” estas palavras e entendermos que não somos os únicos, existem outros casais como nós e que está tudo bem. Obrigado por partilhar sua experiência. Assim vemos que estamos no mesmo caminho, do aprendizado, do crescimento.
Um abraço.
Marcelo, seu blog fez tida diferença na vida aqui em casa. Sou fã! Quero muito saber sobre os cursos de Educação Ativa e da Comunicação não-violenta, ou mesmo quando houver palestras, enfim. Moro em SP. Muito obrigada, de todo coração!
Para mim esta é questão chave na ambientação necessária para educar-nos todos, adultos e crianças.
Eu e o meu marido acabamos de ler o seu post e enquanto líamos, conversávamos a respeito da importância da comunicação e como estamos trilhando esse caminho. Valeu mais uma vez por compartilhar os seus aprendizados, as suas questões e ouvir as de outras famílias. Tem sido sempre muito inspiradores p/ trabalharmos a nossa dinâmica familiar. Obrigado!
FIZ34 ANOS DE CASD……E SE ME PERGUNTAREM QUAL A FORMULA????
C
ONVERSA!!! MUITA CONVERSA!!! O RESTO È CONVERSA FIADA!!!
GDE ABRAZo
jonas
Muito interessante, foi muito importante para mim ler o seu post e chegou no momento certo! Me conectou com o que temos feito (e deixado de tentar fazer) como casal. Temos um bebê de 2 anos. Continue escrevendo as tuas experiências. Obrigada!:-)
Valeu pela força Larissa! Grande abraço!
Marcelo, sua reflexão é bastante interessante, pois demostra seus erros e acertos, que não é uma coisa fácil de nós admite, pois a sociedade está sempre nos punido pelas nossas atitudes. A convivência familiar nunca será fácil, pois sempre terá dois tipos de opiniões, mas se tem compreensão de ambos os lados, haverá tranquilidade no ambiente. Na minha rotina com minha esposa e meu filho, eu sempre dou tempo diferente para cada um. Sei que não é fácil criar e viver. mas isto nos ensina a rever e compreender tudo o que vivemos.
O maior passo dado por pais e mães na criação de seus filhos é o passo da compreensão.
Um grande abraço.
Oi Antônio. Obrigado pelo seu depoimento. Abração.
É exatamente isso….faço isso com meu marido quando ele nao consegue sair no horário que Eu já estou pronta com meu filho….fico louca por que pra mim é difícil entender o tempo dele. Depois de ler, vou repensar….e tentar melhorar….Como você disse: a vida nao está nem aí para o controle!
Eu e Regiane temos tempos bem diferentes. Mais do que entender o tempo dela, temos tentado conversar sobre como atender as necessidades de todos. Não é branco e preto, por isso requer atenção constante, porém não ansiosa. Mais fácil falar do que fazer. Me conte como as coisas caminharam para vocês. Abração.
Oi Marcelo, tudo bem ? Um beijo enorme para a Re !! Eu sempre me deparo com essa situação…….Mas eu tenho que admitir que quando meu marido está no momento relaxado e eu percebo, exijo a disciplina e rigidez, mesmo que eu tbém queira o mais flexível….e quando eu sinto que ele está exigindo rotina, eu de propósito tento de várias formas deixar o momento relaxado e menos padrão. Vixi…. que horror….coitadinha da Helena !
realmente é a “luta” do ego e poder….
E aí Rachel, tudo bem? Espero conhecer a Helena em breve. Tenho certeza que você faz isso na melhor das intenções com se houvesse um equilíbrio perfeito entre a rigidez e a permissividade. Também me pego fazendo isso, mas estou percebendo que isso tem mais a ver com uma ansiedade de querer um resultado futuro: “se eu não fizer assim ela não vai aprender que….” do que com uma conexão no presente. Vamos conversando. Beijos.
Puxa vida, quantas vezes me pego fazendo a mesma coisa que você… E dai, depois, fico com um sentimento ruim em relação ao meu marido, me punindo e querendo desfazer o que fiz, mas ai eu descubro que, como vocês, nossas realidades de criação são tão diferentes e que eu preciso aprender a entender o jeito dele como ele entende o meu.
Ótima reflexão. Madura, consciente.
Gratidão pela coragem de partilhar.
Oi Roseli. Super obrigado pelo comentário. Me fez pensar que há uma questão fundamental sobre a qual tenho me debruçado. Eu fui criado por pais que acreditavam e acreditam que as crianças precisam ser controladas, com carinho, mas controladas. Eu sei hoje, racionalmente, que as crianças precisam de conexão e de ambientes preparados. Minha busca agora é por transformar esse conhecimento racional em crença emocional. Sigo tentando.
Muito, muito obrigada mesmo! Bojos a todos vcs!
Beijos Si. Estamos conectados.
Marcelo,
Adorei! Tem coisas que estão na nossa cara e precisamos de empurrãozinho para enxergar! Como é verdadeira a observação sobre como a tensão do ambiente “contamina” as crianças. Aqui também precisamos exercitar os músculos, muito treino para conseguirmos a comunicação não violenta. Parabéns e obrigada pela oportunidade de reflexão.
Legal Andrea. Bom treino para você. Aqui o exercício é diário!
Puxa Marcelo esse texto surgiu em nossas vidas no momento exato. Obrigada por compartilhar sua experiencia. Aqui também temos desafios parecidos, so que no nosso caso Pedro e um homem nascido numa ilha, criado numa ilha e com um ritmo pacato e harmônico de uma ilha e eu sou uma mulher nascida e criada na loucura da cidade.
Imagina so?! rsrsrrs..
Temos muita historia pra contar também. hehe..
Grande abraco!
Oi Mayara. Bom saber que o texto teve ressonância. Acho que a coisa do local tem influencia sim, e fico interessado em saber como isso influenciou a forma como os pais do Pedro criaram ele e como seus pais criaram você. Vamos seguir compartilhando. Abração!
Marcelo, adorei o texto, com certeza você traduziu uma situação comum em muitas casas, posso dizer que passamos por algo assim nessa semana, a desconexão gera um efeito cascata, com certeza…Beijão nos 4 dos 3.
Oi Thais, e tenha certeza que a tendência é aumentar, pois na medida em que os filhos crescem as decisões vão ficando mais complexas. Sugiro estabelecer a pratica do dialogo desde cedo. Beijos.
Muito bom!!! Me senti vivendo exatamente isso! A dificuldade do casal aumenta na criação dos filhos…..e muitas vezes não conseguimos encontrar a conexão ! Insistimos em querer controlar a situação do nosso ponto de vista ,sem respeitar as diferenças do nosso parceiro! Queremos um ponto comum ,porem a falta de conexão traz desastres na família,na qual,muitas vezes a escolha é o fim dela…….
Adorei este texto. Esta questão é muito constante e dar um passo pra trás, respirar e tentar se conectar é um alívio.
Obrigado Ana Claudia. É isso mesmo, um alívio!
Maravilhoso o texto. Que linda essa vontade de funcionar bem como pessoa, casal e familia.
Abraço forte.
Obrigado Rose! Grande abraço.